Acreditamos na diversidade, porque vemos, sentimos, experimentamos. As várias formas de existir de cada ser e a imensa variedade dos seres nos oferece essa experiência rica, que é ampliada muito para além dos sentidos quando prestamos atenção. Florestas são essa diversidade no grau mais elevado na natureza. Uma única árvore pode conter mais de duas mil espécies diferentes só na parte aérea, ou seja, acima do solo, e um número ainda incontável de outras espécies na parte que fica dentro da terra, que inclui as raízes, fungos, bactérias, animais e outras plantas associadas. Às vezes olhamos para uma árvore, desatentos, e sem pensar, associamos a árvore a 1 indivíduo, mas este ser não existe sozinho, e nem está nem nunca esteve sozinho. Por esta razão é difícil definir o que é uma floresta, porque rigorosamente, as florestas são mais diversas que toda a diversidade que contém. As florestas são a diversidade de relações que propiciam. Quanto maior a riqueza das relações, mais ricos os indivíduos.
Assim, fica mais fácil definir o que não é uma floresta. Agrupamentos de árvores da mesma espécie não são floresta, monoculturas não são floresta, consórcios de poucas espécies não são floresta. Árvores áltas sem um bosque em contínuo amadurecimento embaixo também não. Solo lavrado, queimado, removido, não é solo de floresta, logo, não há floresta em solos assim. E com iso alguém poderia imaginar que as agroflorestas não são florestas, o que não é verdade. Agroflorestas são florestas, sempre que são agroflorestas e não monoculturas ou agriculturas ostensivamente exploradas. O manejo é essencial na agrofloresta, mas sem qualidade é danoso, traz prejuízos e degradação. Florestas e agroflorestas são uma extensão indissociável, são contiguidade, seus limites são tênues, e a qualidade sistêmica de uma agrofloresta é tão grande quanto seja a riqueza da floresta que se cultiva.
Em termos práticos, planejar o trabalho agroflorestal envolve as pessoas, envolve os saberes das pessoas e principalmente, requer que reconheçamos que sabemos muito pouco sobre a vida na Terra, requer o envolvimento de tudo o que desconhecemos. Sem essa abordagem, nossa ignorância nos conduz ao caminho certo do fracasso. As pessoas importam na floresta, nós vivemos com a floresta, ela nos sustenta a vida, nos dá a água dos rios e lagos, nos dá a chuva, nos dá o ritmo incessante da evolução biológica, sempre viva e atenta aos mínimos detalhes, a floresta nos dá a sabedoria de ficar em silêncio em meio a todos os seus sons, dizeres, atneções, expectativas, promessas, futuros. Agroflorestas são uma tentativa de aprender com a abundância, aprender a cultivar relações sem empobrecimento da vida, porque a maior pobreza do ser humano é a certeza de algum conhecimento, é ignorar que ignora a magnitude do que desconhece.
E por envolver as pessoas, o trabalho agroflorestal contém essa dupla lembrança: nós somos com a floresta, e nós sabemos cada vez menos sobre a riqueza dos ecossistemas.
Planejar a implantação de uma agrofloresta envolve sempre os fatores humanos das pessoas envolvidas, os conhecimentos, capacidades, habilidades, desconhecimentos, certezas, incertezass. Nós só aprendemos nas incertezas, partindo de algo palpável para o impalpável, do tangível para o intangível. Planejar agroflorestas requer a compreensão de que mais diversidade de funções, de alturas, de formas, tamanhos, sazonalidades, cores, sabores, cheiros, em geral, isso significa diversidade de espécies e de manejos.
Nosso conhecimento e habilidades ainda muito limitadas não nos permite termos máquinas inteligentes capazes de substituir as pessoas no cuidado, no plantio, na colheita, na poda, na observação atenta e no contínuo aprendizado sobre a riqueza das florestas. Enquanto isso dedicamos mais tempo nessas tarefas, que podem ser engrandecedoras para o espírito e muito saudáveis quando feitas com respeito aos limites do corpo e do ambiente. Misturar as espécies no plantio, cuidar delas enquanto crescem, cometer erros, cometer os mesmos erros de novo, insistindo neles por anos sem desconfiar de que podem ser corrigidos, podas erradas, colheitas erradas, plantios errados, caminhos errados, que nos conduzem a questionamentos, às vezes que nos conduzem a escutar e aí temos a possibilidade de aprender com todos esses erros. Durante dezenas, centenas de gerações, terras agrícolas perderam solo, perderam fertilidade, diversidade, riqueza, as gerações progressivamente empobreceram nas suas relações com as florestas, até que em muitos lugares do planeta, hoje, há países inteiros que já não as têm, e o trabalho de regenerá-las pode começar a qualquer momento. Mas regenerar não é copiar, não é devolver o que lá estava, e não é conservar a pobreza dos recursos genéticos, dos recursos de conhecimento, das relações de poder. Regenerar envolve as pessoas e todos os nossos desconhecimentos, envolve promover as diversidades com todos os desafios que o preconceito e a ignorância impõe, regenerar envolve compreender os rios de vida, de nuvens, de chuvas, de energia do sol, dos ventos, do germoplasma, envolve os rios dde conhecimento que se renovam e reinventam toda vez que alguma visão de mundo questiona certezas antigas e prisões intelectuais, emocionais, morais, espirituais. Agroflorestas são florestas, e planejá-las contempla este esforço criativo e longo de oxigenar tudo o que pensávamos conhecer tão bem. Regenerar é dar luz às relações ocultas, nutrir o desconhecido com nossa surpresa prazerosa.
O lucro da agrofloresta cresce com a qualidade dos sistemas que cultivasmos. Relações pobres dão prejuízo, floresta é riqueza. Ao aprendermos dia a dia como participar dessa riqueza, cultivamos relações sistêmicas com a floresta, fazemos agrofloresta.
Colheita de folhas, frutos, flores, raízes e tubérculos todos os meses; companhia dos animais todos os meses, água todos os meses, matéria orgânica e meia-sombra, várias alturas para filtrar a luz do sol, que é o maior amigo e também o principal carrasco da vida no solo. O sol em falta causa estagnação, e em excesso esteriliza tudo. A agrofloresta é a arte de cultivar o sol.
Porque cultivando o sol temos luz e energia para muits folhas, que caem no solo e aumentam a matéria orgânica, que retém a umidade e freia toda erosão, alimenta os lençóis freáticos e os rios, que abastecem a evapotranspiração e renovam o ciclo de chuvas nos continentes, razão de toda a vida sobre a terra.
Diversidade, estratificação, qualidade do manejo, sazonalidade, respeito ao desconhecido, observação atenta, escuta ativa e principalmente amor pela floresta são os contituintes básicos do desenho agroflorestal. Com agroflorestas podemos alimentar pessoas, famílias, cidades, países, o planeta. Podemos interagir com os microclimas, amenizá-los, reuní-los em mosaicos regionais, continentais, desenhar o clima planetário, tudo depende da escala e da qualidade do nosso saber. Agroflorestas podem reencaminhar o humano para o respeito ao próximo, a humildade, a justiça e a abundância, porque na floresta somos todos irmãos.